Não vou aqui falar quem foi Gregório de Matos. Não com detalhes, mas facilmente se pode dizer que foi o nosso maior representante do barroco - ou ao menos o mais reconhecido atualmente. Viveu no século XVII, no que hoje é o Nordeste do Brasil. E aqui fica uma singela homenagem, com uma poesia escrita há mais de três séculos e tranquilamente entendida e admirada hoje, no começo do século XXI. Bendito mestrado me fazendo relembrar a existência das poesias do Boca do Inferno.
Fingindo o poeta que acode pelas honras da cidade,
entra a fazer justiça em seus moradores,
signalandolhes os vicios, em que alguns delles se depravavão.
- Uma cidade tão nobre,
uma gente tão honrada
veja-se um dia louvada
desde o mais rico ao mais pobre:
Cada pessoa o seu cobre,
mas se o diabo me atiça,
que indo a fazer-lhe justiça,
não me poderão negar,
que por direito, e por Lei
esta é a justiça, que manda El-Rei. - O Fidalgo de solar
se dá por envergonhado
de um tostão pedir prestado
para o ventre sustentar:
diz, que antes o quer furtar
por manter a negra honra,
que passar pela desonra,
de que lhe neguem talvez;
mas se o virdes nas galés
com honras de Vice-rei,
esta é a justiça, que manda El-Rei.
- A Donzela embiocada
mal trajada, e mal comida,
antes quer na sua vida
ter saia, que ser honrada:
à pública amancebada
por manter a negra honrinha,
e se lho ouve a clerezia
dão com ela na enxovia,
e paga a pena da lei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
- A casada com adorno,
e o Marido mal vestido,
crede, que este mal Marido
penteia monho de cono:
se disser pelo contorno,
que se sofre a Fr. Tomás.
por manter a honra o faz,
esperai pela pancada,
que com carocha pintada
de Angola há de ser Visrei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
- Os Letrados Peralvilhos
citando o mesmo Doutor
a fazer de Réu, o Autor
comem de ambos os carrilhos:
que se diz pelos corrilhos
sua prevaricação,
a desculpa, que lhe dão,
é a honra de seus parentes
e entonces os requerentes,
fogem desta infame grei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
- O Clérigo julgador,
que as causas julga sem pejo,
não reparando, que eu vejo,
que erra a Lei, e erra o Doutor:
quando vêem de Monsenhor
a Sentença Revogada
por saber, que foi comprada
pelo jimbo, ou pelo abraço,
responde o Juiz madraço,
minha honra é minha Lei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
- O Mercador avarento,
quando a sua compra estende,
no que compra, e no que vende,
tira duzentos por cento:
não é ele tão jumento,
que não saiba, que em Lisboa
se lhe há de dar na gamboa;
mas comido já o dinheiro
diz, que a honra está primeiro,
e que honrado a toda Lei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
- A viúva autorizada,
que não possui um vintém,
porque o Marido de bem
deixou a casa empenhada:
ali vai a fradalhada,
qual formiga em correição,
dizendo, que à casa vão
manter a honra da casa,
se a virdes arder em brasa,
que ardeu a honra entendei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
- O Adônis da manhã,
o Cupido em todo o dia,
que anda correndo a Coxia
com recadinhos da Irmã:
e se lhe cortam a lã,
diz, que anda naquele andar
por a honra conservar
bem tratado, e bem vestido,
eu o verei tão despido,
que até as costas lhe verei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
- Se virdes um Dom Abade
sobre o púlpito cioso,
não lhe chameis Religioso,
chamai-lhe embora de Frade:
e se o tal Paternidade
rouba as rendas do Convento
para acudir ao sustento
da puta, como da peita,
com que livra da suspeita
do Geral, do Viso-Rei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
Um comentário:
Álvaro e suas magias... ;)
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