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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Dia 18 - um poema

Recado aos amigos distantes

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.

Cecília Meireles, in 'Poemas (1951)'



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Nota número um: o recado é para TODOS os meus amigos (sou tão ausente mesmo para aqueles que moram na mesma cidade).

Nota número dois:esse post faz parte do meme de setembro.Querendo saber mais sobre, clique aqui.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Gregório de Matos

Não vou aqui falar quem foi Gregório de Matos. Não com detalhes, mas facilmente se pode dizer que foi o nosso maior representante do barroco - ou ao menos o mais reconhecido atualmente. Viveu no século XVII, no que hoje é o Nordeste do Brasil. E aqui fica uma singela homenagem, com uma poesia escrita há mais de três séculos e tranquilamente entendida e admirada hoje, no começo do século XXI. Bendito mestrado me fazendo relembrar a existência das poesias do Boca do Inferno.
Fingindo o poeta que acode pelas honras da cidade,
entra a fazer justiça em seus moradores,
signalandolhes os vicios, em que alguns delles se depravavão.
  1. Uma cidade tão nobre,
    uma gente tão honrada
    veja-se um dia louvada
    desde o mais rico ao mais pobre:
    Cada pessoa o seu cobre,
    mas se o diabo me atiça,
    que indo a fazer-lhe justiça,
    não me poderão negar,
    que por direito, e por Lei
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  2. O Fidalgo de solar
    se dá por envergonhado
    de um tostão pedir prestado
    para o ventre sustentar:
    diz, que antes o quer furtar
    por manter a negra honra,
    que passar pela desonra,
    de que lhe neguem talvez;
    mas se o virdes nas galés
    com honras de Vice-rei,
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  3. A Donzela embiocada
    mal trajada, e mal comida,
    antes quer na sua vida
    ter saia, que ser honrada:
    à pública amancebada
    por manter a negra honrinha,
    e se lho ouve a clerezia
    dão com ela na enxovia,
    e paga a pena da lei:
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  4. A casada com adorno,
    e o Marido mal vestido,
    crede, que este mal Marido
    penteia monho de cono:
    se disser pelo contorno,
    que se sofre a Fr. Tomás.
    por manter a honra o faz,
    esperai pela pancada,
    que com carocha pintada
    de Angola há de ser Visrei:
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  5. Os Letrados Peralvilhos
    citando o mesmo Doutor
    a fazer de Réu, o Autor
    comem de ambos os carrilhos:
    que se diz pelos corrilhos
    sua prevaricação,
    a desculpa, que lhe dão,
    é a honra de seus parentes
    e entonces os requerentes,
    fogem desta infame grei:
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  6. O Clérigo julgador,
    que as causas julga sem pejo,
    não reparando, que eu vejo,
    que erra a Lei, e erra o Doutor:
    quando vêem de Monsenhor
    a Sentença Revogada
    por saber, que foi comprada
    pelo jimbo, ou pelo abraço,
    responde o Juiz madraço,
    minha honra é minha Lei:
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  7. O Mercador avarento,
    quando a sua compra estende,
    no que compra, e no que vende,
    tira duzentos por cento:
    não é ele tão jumento,
    que não saiba, que em Lisboa
    se lhe há de dar na gamboa;
    mas comido já o dinheiro
    diz, que a honra está primeiro,
    e que honrado a toda Lei:
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  8. A viúva autorizada,
    que não possui um vintém,
    porque o Marido de bem
    deixou a casa empenhada:
    ali vai a fradalhada,
    qual formiga em correição,
    dizendo, que à casa vão
    manter a honra da casa,
    se a virdes arder em brasa,
    que ardeu a honra entendei:
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  9. O Adônis da manhã,
    o Cupido em todo o dia,
    que anda correndo a Coxia
    com recadinhos da Irmã:
    e se lhe cortam a lã,
    diz, que anda naquele andar
    por a honra conservar
    bem tratado, e bem vestido,
    eu o verei tão despido,
    que até as costas lhe verei:
    esta é a justiça, que manda El-Rei.
  10. Se virdes um Dom Abade
    sobre o púlpito cioso,
    não lhe chameis Religioso,
    chamai-lhe embora de Frade:
    e se o tal Paternidade
    rouba as rendas do Convento
    para acudir ao sustento
    da puta, como da peita,
    com que livra da suspeita
    do Geral, do Viso-Rei:
    esta é a justiça, que manda El-Rei.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Mário Quintana

Fiquei muito tempo sem quase ler poesia. Anos.Ficava impaciente pra me concentrar em textos tão densos e freqüentemente curtos. Não estava com concentração para tanto. O óbvio: para cada momento da vida, um tipo de leitura.E recentemente voltou o tempo pra poesia. Pra (re)começar, Mário Quintana (influência de uma amiga querida, que de tanto gostar do Mário é chamada de Beta Quintana). Hoje comecei a ler o Nova Antologia Poética, coletânea organizada pelo próprio Mário em 1985. Ainda não terminei (até pra apreciar melhor), mas já dá pra citar 4 poemas que adorei:
A CONSTRUÇÃO
Eles ergueram a torre de Babel para escalar o Céu. Mas Deus não estava lá! Estava ali mesmo, entre eles,ajudando a construir a torre.
DO ETERNO MISTÉRIO
"Um outro mundo existe.., uma outra vida..."
Mas de que serve ires para lá?
Bem como aqui, tu'alma atônita e perdida
Nada compreenderá...
 PEQUENO POEMA DIDÁTICO
O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconseqüente conversa

Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre...
Todas as horas são horas extremas!